Mecanismos simbólicos institucionais e resistências

Durante o período colonial o Estado não estava separado da Igreja Católica, por isso seus interesses e objetivos se alinhavam, como na importação da metrópole de um discurso moralizador sobre o uso dos corpos, que instalou-se na Terra de Santa Cruz em conjunto do desejo de cristianização e difusão católica, bem como a ânsia do sistema mercantil de construir contingentes populacionais que habitassem as novas terras.

Neste contexto, a ideia de adestrar a sexualidade dentro do casamento decorre do interesse de fazer da família o eixo irradiador da moral cristã. Entretanto a maternidade estava entre as formas de resistência. 

Atendendo ao controle da sexualidade das mulheres por parte do Estado e da Igreja, toda a educação feminina era então voltada para este propósito. Inseridas num contexto de submissão e negada qualquer expressão de poder ou resistência, é no ambiente privado do lar, onde muitas vezes os homens também comandam, que algumas mulheres puderam encontrar espaço para a rebeldia e transgressão. 

Num tempo em que a religião era inseparável da política, a Igreja Católica teve um papel tão importante quanto a Coroa Portuguesa na formação da política colonial da América Portuguesa. O código moral da Igreja Católica, reforçado pela Contrarreforma, associou explicitamente virgindade e castidade femininas, honra familiar e proeminência social, sempre de acordo com a doutrina religiosa de limpeza de sangue.

Mas faltava a mulher ideal para casar e a Igreja iria gastar séculos para formar, fora das elites, uma mentalidade de continência e castidade para mulheres para quem noções de virgindade, casamento e monogamia eram situações de oportunidade e ocasião, diante da realidade de difíceis condições materiais e de insegurança econômica na colônia, o que ditava regras e costumes próprios.

São exemplos desta estratégia de criar contingentes populacionais brancos por parte do Estado e do projeto de família da Igreja Católica as órfãs da rainha, que mesmo tendo sido enviadas poucas mulheres, este movimento destacou as intenções deste eixo moral cristão. Do ponto de vista da política, a ideia de se promover a colonização do Brasil com mulheres brancas apresentava vantagens. A principal delas era a de se constituírem, com os casamentos, descendências legítimas, diga-se, de famílias brancas, para ocupar o território e preencher o complexo sistemas de cargos na administração colonial. Clemência passou pela experiência de ser enviada para casar, o que fez parte da estratégia política e religiosa instalada pela Coroa portuguesa e pela Igreja Católica.

Essa uma política de trazer mulheres brancas foi adotada em Portugal, com maior ênfase no século XVI.  Em 1549 chegou ao Brasil o padre jesuíta Manuel da Nóbrega, acompanhando a esquadra de Tomé de Sousa. Vinha com o propósito de zelar pela vida espiritual dos súditos do rei instalados nos trópicos, o que incluía alertar seus superiores para o comportamento desregrado de membros da Igreja quando no Brasil e, do mesmo modo, alertar para a moralidade que estava acontecendo entre os habitantes em matéria de casamento, como demonstra Manuel da Nóbrega na carta endereçada ao rei.

Outra medida para organizar a colônia é evidente no modelo de sesmarias, por meio do qual a monarquia portuguesa encontrou uma forma de povoar o imenso território. Este modelo de posses e distribuição de terras fez parte de um projeto de povoamento, idealizado pela coroa portuguesa. As biografias de algumas mulheres estão associadas a estes processos, como Ana Pimentel, que foi donatária, procuradora e administradora da capitania de São Vicente e Ângela Rodrigues, sesmeira dona de terras e colonizadora do Rio de Janeiro, que atuaram em papéis de liderança sobre suas terras. Maria Bárbara, senhora de engenho, era proprietária de um engenho açucareiro na Bahia e Chica que participou das entradas do sertão de Goiás.

Como colocado no discorrer desta narrativa, os mecanismos simbólicos parecem reduzir as mulheres a genitoras, suas participações em cargos públicos não eram aceitas, mas suas participações em trabalhos comerciais, na administração de capitanias, como senhoras de engenho, bandeirante,  entre outros papéis desempenhados por elas nestas terras, mostram que, na realidade, suas participações iam além da mulher genitora e submissa, e que as dificuldades criaram as ocasiões para atuações de maneira autônoma.